Campo Grande (MS) – A conquista de uma nova vida longe do crime, através do trabalho digno, hoje é realidade para Hélio Wilson Almeida Lima, 44 anos, que atua em uma empresa da área da construção civil em Dourados. Após mais de 21 anos de prisão, ele está em liberdade há cerca de 12 meses e encontrou na ocupação, conquistada ainda quando cumpria pena, a chance para escrever uma história de superação e servir de exemplo para os ex-companheiros de cárcere.
Trabalhando na empresa desde 2014, hoje com carteira assinada, ele atualmente é o gerente operacional da BSTA (Borracharia e Artefatos de Cimento do Ari Ltda.). “Me dedico muito e valorizo essa oportunidade que me foi dada quando eu ainda estava preso. Entrei como pedreiro e agora ocupo um cargo de confiança, posso dizer, com toda a certeza, que sou um homem realizado”, orgulha-se.
Com uma renda mensal de R$ 1.298,00 e todos os direitos trabalhistas garantidos, o ex-detento colhe os frutos da escolha de conduzir a vida como trabalhador honesto. “Em um ano eu conquistei um carro, estou pagando meu terreno, hoje moro de aluguel, mas planejo construir a minha casa do jeito que eu e minha esposa sempre sonhamos, e eu mesmo vou construir”, comemora.
Especializada na produção de padrão de luz, serviços de borracharia e artefatos em cimento, a empresa que o contratou é parceria da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) na ocupação de mão de obra prisional desde 2006. Do total de 14 funcionários, outros quatro são contratados como Hélio, quatro estão em liberdade condicional e cinco ainda cumprem pena em regime semiaberto e aberto na cidade.
“Nesses 12 anos de parceria com a Agepen, cerca de 200 presos já passaram aqui pela empresa, e já contratamos com carteira assinada uns 30 ex-presos”, revela o dono BSTA, Aristides de Melo Batista, comentando que já ocupou detentos oriundos de vários estados brasileiros e até de fora do país. “Muitos trabalham aqui até cumprirem todo o livramento condicional e quando ganham a liberdade voltam para sua terra natal. Mas sempre mantenho contato com eles, por telefone, por WhatsApp, e ajudo no que posso. Sei que eles trabalham honestamente e estão longe da criminalidade”, ressalta o empresário.
Sobre a ocupação da mão de obra de quem um dia cometeu algum tipo de crime, Ari, como é mais conhecido, garante que não se arrepende e vê muitas qualidades neste perfil de funcionário. “São muito bons, pois, normalmente, eles têm mais regras, mais educação e mais autoestima que os demais”, afirma, revelando que já chegou a ter 15 internos de uma só vez atuando em sua empresa, e que o número de detentos sempre foi maior que o de funcionários de fora.
Além das vantagens como empregador, Aristides se vê como um agente de transformação social, que ajuda a dar um novo significado para a vida dessas pessoas, contribuindo também para combater o ciclo da violência. “Eles são seres humanos assim como nós, devemos tratá-los de forma igual, só precisam de oportunidade. De 100 presos que ajudamos, acredito que, no mínimo, 25% se recuperam, então precisamos fazer nossa parte e contribuir para uma sociedade melhor”, argumenta.
Dedicação e conquista
O registro na carteira profissional tão sonhado por muitas pessoas também foi conquistado pelos ex-detentos Kenio Willian da Silva de Souza, 30 anos, e Rogério Oliveira de Souza, 35 anos, que estão empregados em um frigorífico instalado na cidade de Terenos. A qualidade do serviço, demonstrada quando ainda cumpriam pena no Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, foi fundamental para que permanecessem na empresa e ocupassem as vagas tão disputadas, principalmente em época de crise econômica e dificuldade de emprego como a atual.
De acordo com o gerente de Recursos Humanos do Frizelo Frigoríficos, Jakson Santana Caires, a qualidade apresentada durante a experiência oferecida foi fundamental para que eles superassem os 300 candidatos, em média, que buscam emprego no local todos os meses. “A conduta, postura e o comprometimento com o trabalho os levaram a ser contratados”, elogia. Segundo ele, o convênio com a Agepen sempre foi muito positivo, já tendo sido aproveitados mais de 300 reeducandos como trabalhadores, por meio da parceria.
Livre totalmente das grades há quatro anos, Kenio, que atua no setor de abate, exalta a nova trajetória que vem traçando. “Por um voto de confiança que me deram, eu mudei minha vida inteira, foi uma oportunidade única”, destaca. “Conquistei a vaga de emprego por mérito, hoje ganho R$ 2.100,00, registrado em carteira, mas ainda pretendo crescer na empresa, gosto do que eu faço, e aprendi quando ainda estava no regime semiaberto”, afirma.
O trabalho no frigorífico, onde está há cinco anos, além da satisfação em vencer o ciclo da criminalidade, o ex-reeducando também acabou conhecendo sua esposa; hoje tem uma filha, já conquistou a casa própria em Campo Grande e comprou um carro para dar maior conforto à família.
Após quatro anos no presídio e atualmente em livramento condicional, Rogério hoje ganha vida cuidando dos serviços de manutenção do Frizelo. Com um sorriso no rosto de quem sabe que que já é um vencedor, ele conta que entrou para o tráfico de drogas fugindo das dificuldades que enfrentava na Bahia, sua terra natal. Na experiência profissional encontrou a autoestima para recomeçar. “Estou muito feliz em poder trabalhar dignamente, foi uma conquista muito grande para mim”, assegura. “O trabalho representa muita coisa, consigo pagar meu aluguel e me sustentar”, conta.
Parceria de Sucesso
Graças à parceria firmada com a agência penitenciária na ocupação da mão de obra prisional, que teve início em 2013, a indústria da rede de salgados Pastel D’Ouro também dá oportunidade para os que conquistam a liberdade. De acordo com a gerente da empresa, Kizy Baes, dos cerca de 40 funcionários atuais, aproximadamente 30% são detentos. Do restante dos trabalhadores, dois também iniciaram na empresa quando ainda cumpriam pena e hoje são registrados.
“Estamos muito satisfeitos, têm um bom rendimento, trabalham com vontade”, comenta a gerente. “Além disso, nessa parceria com a Agepen, caso a gente precisa trocar alguém que não se adaptou, a substituição é imediata. E quando é possível, a gente acaba aproveitando como funcionário registrado também”, complementa Kizy.
A funcionária Silvana Jesus de Amorim, 39 anos, cumpriu pena durante seis anos, dos quais três em regime semiaberto. Em semiliberdade, conseguiu uma vaga na empresa. No local, aprendeu a profissão de salgadeira, se destacou, e hoje é responsável pelo setor de assados. Ela já tem dois anos de carteira profissional registrada.
Do ritmo intenso do serviço diário, ela colhe a certeza de poder passar todas as noites com o seu filho e aproveitar as alegrias que só a vida em liberdade é capaz de proporcionar. “É suado, você cansa, mas gosto muito, pois, devido ao trabalho, tive muitas vitórias, faço o que eu quero, busco o que quero construir”, afirma. “Posso sair, levar meu filho a uma lanchonete, para tomar um sorvete em paz, coisa que a gente quando está presa não pode, só quem passa sabe o valor que isso tem”, destaca.
Na mesma empresa há dois meses, o reeducando Maicon Ramos dos Santos, que ainda cumpre pena em regime semiaberto, também avalia como positiva a experiência. Após atuar na cozinha de dois presídios, gostou do serviço e utiliza o conhecimento no novo trabalho, que já lhe rendeu a proposta de ter um emprego com registro em carteira.
Seguro de que as coisas erradas que fez ficaram para trás, Maicon garante que agora quer estudar, formar uma família e seguir uma carreira. “Aprendi que o trabalho edifica o ser humano, e por isso quero seguir pelo caminho certo”, afirma.
Avanços
Para o diretor-presidente da Agepen, o trabalho é um dever social e condição de dignidade humana, com finalidade educativa e produtiva, que vem representando um dos principais fatores que contribuem para a ressocialização, impactando diretamente na não reincidência criminal.
“Mato Grosso do Sul vem se destacando no cenário nacional quando o assunto é ocupação da mão de obra de apenados. Graças ao empenho de nossa equipe de servidores e a conscientização cada vez maior do empresariado local, somos um dos estados com o maior número de detentos trabalhando, superando em 10% a média nacional de ocupação laboral”, enfatiza o dirigente.
Nos últimos cinco anos, a agência penitenciária conseguiu ampliar em 45% o total de empresas parceiras, saltando de 115 para 167 conveniadas que ocupam mão de obra prisional; somente no último ano esse aumento foi de 16%.
Segundo a chefe da Divisão do Trabalho da Agepen, agente Elaine Cecci, o trabalho prisional é regido pela Lei de Execução Penal (LEP) e não pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), refletindo em várias vantagens aos empregadores, como benefícios fiscais e trabalhistas, o que não gera encargos como pagamento de 13º salário, férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), entre outras; além do fator social, possibilitando também reconhecimento nacional, como o Selo Resgata, emitido pelo Ministério da Justiça.
“Qualquer pessoa que esteja inserida no mercado de trabalho é capaz, com muita dedicação e disciplina, mudar o rumo da sua história, e estamos muito felizes com os resultados dos empregadores do nosso estado que, além de terem o reflexo econômico dessa iniciativa, acreditam no poder social da inclusão do custodiado no mercado formal”, finaliza Elaine.
Serviço
Os convênios para oferecimento de trabalho a custodiados da Agepen são coordenados pela Diretoria de Assistência Penitenciária, por meio da Divisão de Trabalho. Contatos para mais informações sobre a contratação de mão de prisional podem ser feitos pelo telefone: (67) 3901-1046 ou pelo e-mail: trabalho@agepen.ms.gov.br.
Reportagem: Keila Oliveira e Tatyane Santinoni.
Fotos: Keila Oliveira e Divulgação.
Colaborou: agente João Paulo Munhos (Patronato de Dourados).