Dourados (MS) – “Com a experiência de vida que tive, conclui que não é o tráfico que te dá oportunidades para crescer, mesmo por que têm as consequências da vida e garanto que são muito grandes e muito dolorosas, ainda mais para quem tem filhos. Agora coloco Deus na frente em tudo e acredito na minha capacidade de vencer, hoje tenho uma profissão, posso trabalhar em qualquer obra como servente de pedreiro, e digo sempre para as minhas companheiras que não compensa voltar pro crime”, esse foi o testemunho da interna Giane Lopes Gonçalves, que cumpre pena em regime semiaberto em Dourados.
Considerada uma ferramenta essencial na recuperação e reintegração social de pessoas em privação de liberdade, o trabalho é fonte de renda e o berço da dignidade humana – essencial para desfrutar uma vida com qualidade. Como forma de ampliar o oferecimento de trabalho aos apenados, acaba de ser realizado o 1º Encontro de Incentivo à Contratação do Trabalho Prisional, em Dourados.
A iniciativa é do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen). O evento foi realizado nesta terça-feira (30.4), no Auditório da 4º Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Dourados.
Presente no encontro, o promotor de justiça, Juliano Albuquerque, destacou estatísticas divulgadas referente ao número de detentos em nível nacional. “Temos cerca de 750 mil presos no Brasil, nosso Estado representa um dos mais superlotados, em contrapartida, está em segundo lugar no número de presos trabalhando – mais de 30% dos detentos com alguma ocupação produtiva”, argumentou, citando que o mais importante é oferecer trabalho aliado a qualificação profissional. “Ou seja, um trabalho seguro, sadio e com oportunidade de crescimento para a pessoa quando retornar ao convívio social”, complementou o promotor.
Atualmente, a Agepen conta com 185 parcerias, entre órgãos públicos e empresas privadas, que proporcionam ocupação produtiva a mais de 5,8 mil reeducandos, representando cerca de 33% da massa carcerária – índice mais de 10% superior a média nacional registrada. Em Dourados, o número de detentos trabalhando de forma remunerada ou não remunerada, entre homens e mulheres, triplicou nos últimos nove anos – saltando de 319 para 930 reeducandos com alguma ocupação produtiva.
Representando a direção da Agepen, a chefe da Divisão do Trabalho, Elaine Cecci, frisou que a população carcerária do Estado cresce a cada ano e a Agência penitenciária tem buscado acompanhar isso com a inserção de custodiados no mercado de trabalho. “Essa cartilha que lançamos foi algo bem planejado e elaborado para dar suporte aos diretores das unidades penais na busca por mais parcerias, fortalecemos esse trabalho com o apoio de vários órgãos públicos, que inclusive já foi elogiada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, agradeceu Elaine, informando que a previsão do próximo encontro de incentivo à contratação do trabalho prisional será na cidade de Três Lagoas, neste mês.
O objetivo da ação é justamente demonstrar as vantagens da contratação da mão de obra prisional e incentivar o interesse de novos empregadores. Somente em Dourados, a Agepen conta com 52 parcerias, entre empresas privadas e órgãos públicos; em 2012, eram apenas 15 conveniados.
Para ampliar essas parcerias em Mato Grosso do Sul, a Agepen, por meio da Diretoria de Assistência Penitenciária e a Divisão do Trabalho, realiza constantemente ações que incentivam a ocupação produtiva de reeducandos. Como por exemplo, o lançamento da cartilha “Mão de Obra Carcerária – Orientações para Futuros Conveniados”, que foi realizado no mês passado, em Campo Grande. Durante o encontro, a cartilha que contém informações sobre a utilização do trabalho prisional também foi apresentada para os empresários e autoridades presentes.
Além de reduzir custos ao empregador, a ocupação de reeducandos também contribui para a reinserção social, refletindo na redução da reincidência criminal e, consequentemente, nos índices de violência.
Parceiro há sete anos da Agepen, a Engepar Engenharia já contratou cerca de 3 mil trabalhadores do sistema prisional nas cidades de Campo Grande e Dourados. O representante da empresa, Marcelo Junqueira Leite, parabenizou a iniciativa e destacou que vale a pena dar oportunidade de trabalho aos custodiados. “Todos ganham, a sociedade, o sistema prisional e a empresa que desfruta dos benefícios financeiros também. Temos uma boa mão de obra, contratamos como serventes da construção civil, mas sempre conseguimos qualificar como pedreiros, eletricistas, encanador; e hoje mesmo, temos trabalhadores que estão em liberdade e agora são efetivos em nossa empresa”, afirmou, ressaltando que atualmente possuem 70 trabalhadores em Dourados por meio de convênio com a Agepen.
Para exemplificar esse importante papel da ressocialização que o trabalho realiza, a interna do regime semiaberto, Maria Luiza Bueno Alves, 19 anos, falou um pouco de sua história de vida e a mudança que teve através de uma oportunidade de emprego. “É um serviço digno, muito bom e que vai me ajudar a ter experiência pra quando eu sair do sistema prisional, o trabalho me permitiu a ter uma nova perspectiva da vida, agradeço muito pela oportunidade”, disse a reeducanda que trabalha em uma empresa privada e atua na limpeza de parques municipais.
Além do impacto social positivo, a ocupação da mão de obra prisional também é vantajosa para o empregador, já que proporciona redução de custos com encargos trabalhistas, podendo chegar até 50% em diminuição de gastos. Isso é possível, pois é regida pela Lei de Execução Penal e não pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Empresas e instituições parceiras da Agepen também podem ser certificadas com o selo nacional de responsabilidade social pelo trabalho no sistema prisional – o Selo Resgata – que é uma iniciativa promovida pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em reconhecimento a quem oportuniza trabalho a pessoas privadas de liberdade e egressos do sistema prisional. Essa certificação é um expressivo marketing social em nível nacional e também pode representar uma oportunidade de ampliar os negócios até mesmo fora das fronteiras do Brasil.
Durante o evento, o coral formado por custodiadas do Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto e Aberto de Dourados realizou uma apresentação especial. Além disso, verduras orgânicas plantadas e cultivadas no presídio também foram expostas no evento.
Também participaram o comandante do Corpo de Bombeiros Militar de Dourados, tenente coronel Humberto José Sepa de Matos Filho; o presidente da 4ª Subseção da OAB em Dourados, Alexandre Mantovani; o procurador do Trabalho, Jeferson Pereira; o presidente do Conselho da Comunidade de Dourados, Rui Barbosa; a presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Dourados, Neuza Maria de Freitas; o diretor jurídico da Secretaria Municipal de Educação, Ivano de Souza Klinc, representando a Prefeitura Municipal de Dourados; a assessora Beatriz Aparecida Freitas Barbosa, representando a Defensoria Pública; além de diretores de unidades penais e empresários locais.
Quem tiver interesse em mais informações sobre a contratação de mão de obra prisional, o contato pode ser feito pelo telefone: (67) 3901-1046 ou pelo e-mail: trabalho@agepen.ms.gov.br.
Texto: Tatyane Santinoni e Keila Oliveira.
Fotos: Antonino Rebeque.