Campo Grande (MS) – Uma vida marcada pelo uso de drogas, perdas e delitos para sustentar o vício foi a trajetória de Adilau Avelino Barbosa, de 45 anos, interno do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG). Da maconha ao crack, ele entrou no mundo das drogas ainda na infância e só conseguiu a superação aos 40 anos, dentro do presídio, onde encontrou apoio do Projeto Recomeçar, grupo de autoajuda que trabalha o enfrentamento à dependência química entre os detentos.
Em seus 28 anos de vida nas drogas, Adilau foi morador de rua por cinco, e chegou a habitar a famosa “Crackolândia”, em São Paulo. Perdeu a confiança e o respeito de si mesmo e de sua família. Em 2013, iniciou os estudos dentro do IPCG e a partir daí foi ampliando sua visão de mundo e anseio por mudança de vida, quando o apresentaram ao Grupo Recomeçar que trata de dependentes químicos na unidade prisional.
Ele conta que, um mês após ter iniciado sua participação nas reuniões, no dia que completou 40 anos de idade, tomou a decisão definitiva de não usar mais drogas. “Decidi viver na ideologia ‘só por hoje’ que o grupo nos ensina, tive muito apoio deles, quando todos já haviam desistido de mim eu vi uma saída durante as reuniões, vi que não estava sozinho nessa luta”, desabafa. “Agora, já são cinco anos sem usar”.
O Recomeçar é definido como um grupo de apoio ou de autoajuda específico para as pessoas em privação de liberdade que enfrentam problemas com as drogas. O grupo funciona baseado nos 12 Passos dos Narcóticos Anônimos e na dialética do “ensinar-aprender”, proporcionando uma interação entre as pessoas, na qual tanto aprendem como também são sujeitos do saber, mesmo que seja apenas pela própria experiência de vida.
Iniciado em 2012 no IPCG, pelas servidoras Mônica Leimgruber e Rita de Cássia Argolo, o projeto serviu de referência para a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) padronizar o trabalho de enfrentamento à dependência química em presídios do Estado, já sendo realidade também em diversas outras unidades prisionais, conforme a chefe da Divisão de Promoção Social da instituição, Alessandra Siqueira.
Segundo ela, que também já atuou na coordenação do Recomeçar, o objetivo destes grupos de autoajuda é sistematizar as ações para que a pessoa, ao adentrar no sistema prisional, já seja inserida no grupo, caso apresente alguma fragilidade em relação à dependência química, desde o início da sua pena até os regimes mais brandos.
Na Capital, a maioria das unidades já está com este trabalho sendo desenvolvido e passa por adequações. “Um dos nossos focos é o Presídio de Trânsito, que é a principal porta de entrada no sistema prisional da Capital”, comenta. “E gradativamente está sendo ampliado para os estabelecimentos do interior, de forma que o objetivo realmente se concretize. Já temos um trabalho em andamento, por exemplo, na Penitenciária Estadual de Dourados, maior presídio do Estado”, completa.
Estatísticas levantadas pela Agepen, por meio da Divisão de Promoção Social, revelam que 84% dos internos que participam dos grupos de autoajuda para dependentes químicos possuem relação direta entre os crimes praticados com o uso dos entorpecentes. Dentro desse contexto, a iniciativa já está recebendo o reconhecimento do Judiciário, segundo Alessandra, que muitas vezes é o responsável por encaminhar os detentos para fazerem parte deste tratamento com o grupo.
Com isso, a importância dada aos grupos de enfrentamento de dependência química dentro do sistema penitenciário é um grande diferencial, na opinião do diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves. “O foco é proporcionar mudanças na vida de muitos internos, mesmo porque é um momento de conscientização sobre o uso abusivo das drogas e suas consequências negativas”, finaliza o dirigente.
Referência
No IPCG, onde o trabalho já está mais consolidado, o grupo oferece 40 vagas, dividido em duas turmas, sendo uma no período matutino e outra no vespertino, para favorecer quem estuda. Os encontros acontecem uma vez na semana com duração de duas horas. A participação no grupo é voluntária.
A agente penitenciária Fernanda de Melo Rosa, psicóloga que coordena atualmente o projeto no local, explica que a dependência química é reconhecida como uma doença crônica, que provoca detrimentos à vida das pessoas nos aspectos cognitivos, comportamentais e fisiológicos. “Então, o grupo auxilia no reconhecimento dos seus problemas atuais e suas potencialidades para enfrentá-los, visando maior adesão ao tratamento e controle do uso abusivo”, ressalta.
Durante os encontros são utilizados conceitos de prevenção de recaída, treinamento de habilidades sociais e entrevista motivacional, tendo como objetivo maior, a manutenção da abstinência e a elaboração de dificuldades pessoais. Quando necessário, são realizados atendimentos individuais após as reuniões, além de diálogo com a família do interno e outras demandas cabíveis. “O foco é realmente resgatar os laços de afeto e respeito que foram perdidos e ajudá-los a sair das drogas”, afirma a psicóloga.
Para frequentar as reuniões é necessário manifestar interesse e informar ao setor psicossocial. “Logo, o interno será chamado para realizar triagem, que consiste em atendimento individual e aplicação de questionário”, informa a responsável. Os requisitos para permanecer no Recomeçar são assiduidade, estar aberto a contribuir com sua história de vida ou opiniões e, principalmente, ter respeito com o outro. “Mesmo porque, o tratamento de dependentes químicos não é exato, como acontece em outras patologias, cada um tem uma forma para se livrar do vício”, completa.
Um dos fatores de sucesso do Grupo Recomeçar, na opinião da responsável, é o grande apoio que tem recebido da direção do IPCG, que fornece os materiais didáticos, os lanches após as reuniões e faz a manutenção dos equipamentos de música utilizados. O projeto também trabalha em conjunto com outros setores do presídio, possibilitando encaminhamentos, por exemplo, para inclusões nas ações de educação e trabalho. “O intuito é que se sintam acolhidos em todos os aspectos e reconheçam que participar do grupo faz muita diferença dentro do sistema prisional”, reforça a psicóloga.
Ao conquistarem a liberdade, os internos ainda são orientados sobre os locais em que podem continuar o tratamento, seja em reuniões de Narcóticos Anônimos (NA) ou em comunidades terapêuticas mais próximas de suas residências. “Este acompanhamento deve ser feito para o resto da vida, porque a dependência química não tem cura, apenas controle, é uma doença crônica assim como hipertensão e diabetes”, enfatiza Fernanda.
Beneficiado pelo Grupo Recomeçar, Adilau garante estar muito agradecido pelo que recebeu e recebe nos encontros, que também serve de inspiração para a construção de uma nova vida em todos os aspectos. “Participei das reuniões achando que ia só parar com o uso das drogas, mas fui mais além, aprendi também a tratar as pessoas e a lidar com os meus defeitos de caráter que, muitas vezes, prejudicavam o próximo e o meu convívio social, e eu nem percebia”, finaliza.
Texto e fotos: Keila Oliveira – Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen)