Campo Grande (MS) – Enquanto observávamos, as palavras definitivamente sumiram. Mas como descrever tamanha emoção se o “essencial é invisível aos olhos”? Atônitos, o suficiente era ouvir a melodia das almas. Assim é a música. Música tocada por jovens e feita com amor é uma cena que emociona até o mais apático e indiferente dos homens. Em cada nota, sopro e acorde, a harmonia dos sons cumpria seu papel e ali, naquela sala com mais de 40 crianças e adolescentes, era difícil conter a emoção. Há quase 24 anos a Banda Sinfônica Mirim da Polícia Militar (PM) de Mato Grosso do Sul encanta. Em um compasso certeiro, a ação social oferece aulas de música e formação moral. Tudo gratuito.
Apesar de se limitar a atender 80 crianças, o programa já possui 87 inscritos devido ao sucesso entre os privilegiados que conhecem o trabalho desenvolvido pela banda mirim. As aulas acontecem no contra turno escolar, sempre no período vespertino. Aberto à comunidade, o projeto não exige que os alunos sejam estudantes do colégio militar e quase todos deles são oriundos de escolas públicas.
“Estar aqui me inspira, me traz felicidade, me sinto feliz. Além disso, cada um tem a sua hora. Eu posso não saber alguma coisa agora e alguém consegue me ensinar depois”. Foi com essa maturidade que o clarinetista Mateus Arteaga, de 13 anos, definiu o projeto do qual participa há quase quatro anos.
E não é preciso delongar na conversa para perceber que alegria e satisfação são unânimes entre os alunos. Com apenas 11 anos, Danielly Barros Rodrigues se encantou com o saxofone que, segundo ela, tem um “som bonito”. De casa a menina traz a influência musical e também o incentivo. “Minha mãe toca teclado na igreja e eu sempre gostei de música. Ela me incentiva muito. Estar aqui me deixa feliz, me motiva”, contou.
Mas a trilha nem sempre soa como deveria. Para alguns alunos não existe incentivo e sobram apenas tristes melodias. “Temos muitos alunos em situação de vulnerabilidade social, com poucos recursos financeiros, e outros com tipos de problemas mais graves, como o abuso sexual e alcoolismo na família”, revelou a chefe de administração da Associação Centro de Ensino Banda de Música, 2° sargento Eliane Matias Silva.
No repertório do projeto surgem também histórias inspiradoras como a do 1° sargento Osman Carlos de Matos. Professor voluntário, ele se doa três vezes por semana, há 23 anos, para ensinar divisão rítmica da música, popularmente conhecida como compasso. Na Polícia Militar desde 1987, o professor Osman foi para reserva em 2009, mas ainda assim quis continuar ensinando.
Quase um autodidata, Osman gosta do que faz e não esconde o talento. “Cursei um ano e meio do curso de música em Presidente Prudente (SP), mas não terminei. Mas sempre fui muito curioso. Não posso dizer que sou autodidata porque já me ensinaram alguma coisa, mas grande parte do que sei é fruto da minha curiosidade. Sou muito curioso e sempre pesquisei e estudei muito”, disse.
Na dinâmica das aulas, o sargento explica que o aluno só inicia a prática musical quando “compreende e interpreta o material teórico”. Assim que o aluno chega ao projeto ele recebe todo conhecimento sobre a teoria musical, depois é a vez do Osman, com as aulas de divisão rítmica, e só na sequência o aluno dá início às práticas instrumentais.
Projeto e Governo do Estado
Como uma melodia que chega ao fim, após tanto tempo de uso os instrumentos do projeto começaram a sofrer e o desafino bateu à porta. Instrumentos quebrados e alunos sem opção. Mas o alento veio no início desse ano, quando o Governo do Estado, por meio de emenda parlamentar, destinou vários instrumentos à banda. “Nós estávamos sem instrumentos e os alunos estavam sendo prejudicados, claro. Sem tocar eles não progridem. Foi maravilhoso contar com essa entrega”, disse a sargento Eliane.
Para quem ansiava pelas aulas práticas essa foi a melhor notícia. “Eu já poderia estar na banda se o clarinete não tivesse estragado”, lamentou Ester Santos de Oliveira, 12 anos. Como a amiga Danielly, ela participa do curso há três anos e agora poderá continuar as aulas práticas com o clarinete: “Agora devo ir logo para a banda, já que esses instrumentos chegaram”.
O projeto da PM recebe também um recurso do Governo do Estado que é utilizado para as despesas do projeto como iluminação, manutenção, água, luz, telefone, além da cedência do espaço físico. A Prefeitura da Capital também ajuda com alimentação, funcionários e vale transporte.
Das muitas frases que tentam definir a a magnitude da música, talvez nenhuma conseguirá decifrar o que a mistura das notas e compassos nos causam. Mas uma coisa é certa: “Se não existisse música seríamos muito tristes. Seria impossível viver. Se estamos tristes ouvimos música, se estamos felizes também ouvimos. Ela está sempre presente”, resumiu de forma simples a aluna Aedra Ribeiro dos Anjos, 13 anos.
Trombone, clarinete, flauta transversal, trompete, bombardino, bombo, saxofone, tuba, violino, trompa de harmonia, sax, bateria e violão. Entre tantos sons, as vitórias e percalços completam a partitura e dão o tom da banda: o otimismo.
Na casa do Willian de Paula, 15 anos, o assalto ocorrido há alguns meses, parece ter sido ironia. Entre tantos pertences da família, os criminosos levaram apenas o saxofone do menino. “Se eu não tivesse o sax do projeto, estaria agora sem ter como tocar. Esse sax custa cerca de R$ 2,8 mil e não sei quando vou poder comprar um de novo, mas pelo menos tenho esse aqui”, ressaltou após a apresentação do grupo.
Do assalto ao talento. Polliana Barbosa tem apenas 16 anos, mas já sabe dançar conforme a música. Antes de ingressar no projeto, já tocava flauta, mas com poucos instrumentos, ela precisou se adaptar e descobriu que a trompa de harmonia seria sua nova companheira. A mudança poderia assustar, mas para quem tem talento, isso não foi um problema. Com muita facilidade, em uma semana, a menina já estava na banda. “Não é o instrumento muito comum entre as mulheres e ela já toca muito bem, diante de tão pouco tempo”, disse o maestro, trompetista e coordenador do projeto, 1° sargento Ozéias Evangelista da Silva.
Grande exemplo de superação, o aluno Richard Paiva tem apenas apenas 30% da visão, mas é quem comanda a bateria da banda. O menino de 14 anos garante que não foi difícil se adaptar ao instrumento apesar da visão comprometida. “Eu me adaptei bem rápido”, diz seguro.
“A música nos ajuda a ser melhor cada dia. Nos dá outros horizontes. O cérebro se desenvolve em diversas áreas e trabalhamos o nosso senso cognitivo. São incontáveis os benefícios que a música nos traz”, disse sargento Eliane.
O maestro Ozéias ressalta também como a música transforma as histórias. “O nosso trabalho ultrapassa nossos limites militares. Nos tornamos pais de cada um também. Temos crianças com diversos problemas de relacionamento e mudamos tudo com a música”.
Apesar das aulas de disciplina militar, passando pela hierarquia das Forças Armadas, o aluno não precisa seguir carreira para participar da banda mirim, a não ser que goste, garante a sargento Eliane. “Ninguém é obrigado a seguir carreira militar, mas por ser um projeto da PM obedecemos às regras e os alunos recebem aulas militares, por meio da disciplina Ordem Unida”, disse a sargento Eliane.
Para o maestro o projeto é também uma oportunidade para quem quer seguir carreira militar. É possível fazer um concurso e ingressar na banda da PM (após o concurso para soldado combatente), CMO (Comando Militar do Oeste), da Base Aérea ou qualquer outra instituição militar”, explicou Ozéias.
Sobre a Banda Sinfônica
Com o intuito de atender menores infratores, o projeto social Banda Sinfônica Mirim da PM foi criado em 1995, pela ex-primeira dama do Estado, Nely Martins. Hoje o projeto funciona com outro caráter. São 87 crianças atendidas, com idade entre 10 e 17 anos, em situação de vulnerabilidade social. Com o apoio do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o projeto oferece aulas de música, educação moral e cívica, apoio pedagógico e prevenção ao uso de drogas.
Texto: Luciana Brazil, Subsecretaria de Comunicação.
Fotos: Guilherme Pimentel e Luciana Brazil.